quinta-feira, 12 de julho de 2012

quarta-feira, 11 de julho de 2012

todas

Luisa


Luisa



As folhas secas na terra escaldante dava a Luisa uma visão da vida destroçada dos acontecimentos. Homens tristes e cabisbaixos andavam em movimentos circulares como suas próprias vidas. Havia no ar uma música mortal. Os animais baliam com dolorido medo, pois a fome era grande. Alguns já não se aguentavam em pé para alimentação rara dos últimos dias. A pastagem rareava. Os urubus na espera lenta e certa de uma farta refeição os cercavam. Nada era possível ser feito, pois a estiagem havia se estabelecido. Luisa em agonia saiu da realidade e se escondeu no canto da sala em busca de felicidade. Sonhou com o riacho de sua infância. Água límpida e pedrinhas brancas eram o seu tesouro. Havia chovido durante toda a madrugada. Ele transbordou e o povo admirava a enxurrada. Lembrou-se de tempos tão antigos e distantes. Seu pai atravessando cada filho em seu cavalo, pois as águas eram profundas. Cada filho tinha os seus medos e valentia. Luisa não. Lutava e chorava e dizia que iria morrer. O pai paciente e amoroso lhe dizia para confiar. Luisa chorava e se entregava ao medo da morte. Quando atravessou estava pálida e tremula, deram-lhe água com açúcar para beber. Tudo foi encerrado ali mesmo, ninguém se preocupou mais. As crianças chegariam à escola. Era necessário continuar. O pai voltaria para lida. Os filhos aos livros. Realidade. Luisa já é avó. Percebe que não há mais cavalo e nem riacho. Animais mortos por toda estrada e urubus em voos rasantes, pois a comida é farta. A seca se estabeleceu. O pai já morreu. Luisa olha o tempo presente e decide que não voltará nunca mais. Há um tempo de partida e de homens partidos. Luisa sabe. Decidida, não olha para os lados e nem para o antigo riacho. Sabe que o melhor é partir, pois não há mais nada. Só as lembranças que carrega com sua própria dor de mulher que perdeu e diluiu, nos cantos do mundo, a sua história.

Gigi, 27/05/2012

O encontro


O encontro

(ao homem sem cabeça)



Andava a esmo tentando reconhecer uma parte de mim em cada movimento sonolento das ruas. Olhava rostos que não me diziam nada. A angústia tomava conta de minha alma. Algo se rompeu definitivamente. O meu olhar congelou há muito tempo nas voltas de mãos dadas na velha praça da cidade com minhas amigas de infância. Segui por entre as gentes, abracei cada possível conhecido até mesmo irmãos. Abracei com vigor na esperança de colher em cada abraço a linha do tempo apagada pelo distanciamento. A constatação de minha solidão abriu-se como uma janela há muito tempo fechada, guardando segredos de uma vida inteira. Mas teimosamente continuei em minha busca. Olhei detalhadamente cada estrutura física de cada casa, não sei suas histórias, pois são desconhecidos. Há algo frio. Estupidamente frio no ar quente e escaldante do sol. Não é possível captar com realismo, mas em meio a pensamentos imagino com fogo nos olhos.  A aridez da terra sem ser tocada pela chuva os deixou frios, quase sem vida. Mortos vivos? Não não! É algo maior que a terra seca. Maior que arribação. É como um monstro corrosivo que mapeia os sonhos e arromba a porta. Andei como se fosse necessário para o encontro mais delicado de tempos antigos. Encontrei o homem sem cabeça de minha infância. Abraçamo-nos com um frescor juvenil. Nós lembramos juntos da brincadeira. Foi algo terno. Doce. Mas foi de uma brevidade assustadora, não há mais tempo para lembranças. Há uma urgência maior que o sonho. Maior que a própria vida. Todos estão apressados para o nada. Eu quero também me apressar, pois é dolorosa a percepção do vazio. Da inexistência. Creio que não há mais tempo para revisitar o encantamento que só existia em minhas lembranças de menina. Talvez tenha que queimar a brasa viva de meu coração inquieto e deixar a brisa lavar o meu corpo, e voltar para a terra distante em que nenhum olhar seja revelador e possa apagar os meus passos cansados do nada de mim mesmo. E pensar que outubro estava nas lembranças do homem sem cabeça, mês que aniversario. São pequenos mistérios da vida. Cinquenta e três anos esse ano! Ele disse como se fosse costumeiro a comemoração. Fiquei pensando no meu espanto dessa lembrança tão viva em seu coração. Sai com olhos marejando, pois as lágrimas teimosas queriam me revelar para esse mundo que por tanto tempo adiei encontrá-lo. Não nos veremos mais. Ficará em nossas mentes o abraço de um encontro tão peculiar, pois não há mais tempo para o inesperado.



Gigi

14 de maio 2012-05-14

Trave


Trave



Hoje eu acordei com vontade de escrever sobre futebol. Assunto que não entendo nada. Apenas que há um espaço desenhado para uma bola e várias pessoas correrem, e em um determinado tempo – se a sorte ou talento permitir – um gol é feito. Torcida em êxtase grita, chora, xinga e até mesmo pede pro santo para o seu time ganhar. Observo que quartas e domingos a família se divide se a casa não tem o mesmo sentido, entendimento. É gol na trave familiar. Mulher se zanga. Filhos... Bem, nesse momento pode haver um meio de campo. A família se parte ao meio – dois times entram em campo. Quem assiste e veste a camisa do time do pai – esse – paciência, o paizão orgulhoso lhe explica tudo. Mas se há outro que prefere ler poesia não rola se quer escanteio, pois já se encontra nele definitivamente. A doméstica da casa de uma vida inteira, em pequenos muxoxos, toma partido do pobre garoto que entre fogos de artifícios e outro, tenta ler um verso de Baudelaire. Pobre minino no meio dessa casa de doido... Valei-me meu pai! Vai doecer. Pega na geladeira uma laranja-cravo e leva para ele. A patroa fala-lhe qualquer coisa que não é entendida e vai as compras para desopilar a solidão e raiva. É sua vingança desesperada. É pênalti no cartão do marido. Mas voltando a minha vontade súbita de escrever sobre futebol, coisa que não entendo nada, já disse. Foi porque em um bar entre uma conversa e outra sobre política local e campanha, o celular tocou e alguém falou consegui a bola! Avisa pra candidata que tudo está resolvido pra comunidade. A interessada, no caso, vibra com a notícia e diz essa é do c. é a bola oficial do time e coisa e tal. O povo vai ficar feliz pra caramba. Esse cara é a peste de descolado. Fala que valeu! Então, pela lateral eu saio do espaço-tempo e lembro-me do tema da prova de redação de meu vestibular: futebol. Eu já sabia que seria um merda escrever sobre isso, mas iniciei o texto com o seguinte título: futebol, ópio ou não o povo gosta e é feliz. Segui a linha do pensamento e pra surpresa maior foi muito bem aceito e passei no vestibular. Finalizei com um verso de Fernando Pessoa com trocadilho e tudo imaginem o susto do professor que corrigia... Tudo vale a pena se a alma não é pequena. Saímos do bar e pensei no monstro assustador que é os bastidores da política e vi que também não só no futebol como na vida de um candidato há tiros de meta e saber jogar é a saída. Para aquela comunidade o gol foi feito.



gigi pedroza

13/06/2012