O encontro
(ao homem sem cabeça)
Andava a esmo tentando
reconhecer uma parte de mim em cada movimento sonolento das ruas. Olhava rostos
que não me diziam nada. A angústia tomava conta de minha alma. Algo se rompeu
definitivamente. O meu olhar congelou há muito tempo nas voltas de mãos dadas
na velha praça da cidade com minhas amigas de infância. Segui por entre as
gentes, abracei cada possível conhecido até mesmo irmãos. Abracei com vigor na
esperança de colher em cada abraço a linha do tempo apagada pelo
distanciamento. A constatação de minha solidão abriu-se como uma janela há
muito tempo fechada, guardando segredos de uma vida inteira. Mas teimosamente
continuei em minha busca. Olhei detalhadamente cada estrutura física de cada
casa, não sei suas histórias, pois são desconhecidos. Há algo frio.
Estupidamente frio no ar quente e escaldante do sol. Não é possível captar com
realismo, mas em meio a pensamentos imagino com fogo nos olhos. A aridez da terra sem ser tocada pela chuva
os deixou frios, quase sem vida. Mortos vivos? Não não! É algo maior que a
terra seca. Maior que arribação. É como um monstro corrosivo que mapeia os
sonhos e arromba a porta. Andei como se fosse necessário para o encontro mais
delicado de tempos antigos. Encontrei o homem sem cabeça de minha infância. Abraçamo-nos
com um frescor juvenil. Nós lembramos juntos da brincadeira. Foi algo terno.
Doce. Mas foi de uma brevidade assustadora, não há mais tempo para lembranças.
Há uma urgência maior que o sonho. Maior que a própria vida. Todos estão
apressados para o nada. Eu quero também me apressar, pois é dolorosa a
percepção do vazio. Da inexistência. Creio que não há mais tempo para revisitar
o encantamento que só existia em minhas lembranças de menina. Talvez tenha que
queimar a brasa viva de meu coração inquieto e deixar a brisa lavar o meu
corpo, e voltar para a terra distante em que nenhum olhar seja revelador e
possa apagar os meus passos cansados do nada de mim mesmo. E pensar que outubro
estava nas lembranças do homem sem cabeça, mês que aniversario. São pequenos
mistérios da vida. Cinquenta e três anos esse ano! Ele disse como se fosse
costumeiro a comemoração. Fiquei pensando no meu espanto dessa lembrança tão
viva em seu coração. Sai com olhos marejando, pois as lágrimas teimosas queriam
me revelar para esse mundo que por tanto tempo adiei encontrá-lo. Não nos
veremos mais. Ficará em nossas mentes o abraço de um encontro tão peculiar,
pois não há mais tempo para o inesperado.
Gigi
14 de maio 2012-05-14
Nenhum comentário:
Postar um comentário