Luisa
As folhas secas na terra
escaldante dava a Luisa uma visão da vida destroçada dos acontecimentos. Homens
tristes e cabisbaixos andavam em movimentos circulares como suas próprias
vidas. Havia no ar uma música mortal. Os animais baliam com dolorido medo, pois
a fome era grande. Alguns já não se aguentavam em pé para alimentação rara dos
últimos dias. A pastagem rareava. Os urubus na espera lenta e certa de uma
farta refeição os cercavam. Nada era possível ser feito, pois a estiagem havia
se estabelecido. Luisa em agonia saiu da realidade e se escondeu no canto da
sala em busca de felicidade. Sonhou com o riacho de sua infância. Água límpida
e pedrinhas brancas eram o seu tesouro. Havia chovido durante toda a madrugada.
Ele transbordou e o povo admirava a enxurrada. Lembrou-se de tempos tão antigos
e distantes. Seu pai atravessando cada filho em seu cavalo, pois as águas eram
profundas. Cada filho tinha os seus medos e valentia. Luisa não. Lutava e
chorava e dizia que iria morrer. O pai paciente e amoroso lhe dizia para
confiar. Luisa chorava e se entregava ao medo da morte. Quando atravessou
estava pálida e tremula, deram-lhe água com açúcar para beber. Tudo foi
encerrado ali mesmo, ninguém se preocupou mais. As crianças chegariam à escola.
Era necessário continuar. O pai voltaria para lida. Os filhos aos livros.
Realidade. Luisa já é avó. Percebe que não há mais cavalo e nem riacho. Animais
mortos por toda estrada e urubus em voos rasantes, pois a comida é farta. A
seca se estabeleceu. O pai já morreu. Luisa olha o tempo presente e decide que
não voltará nunca mais. Há um tempo de partida e de homens partidos. Luisa
sabe. Decidida, não olha para os lados e nem para o antigo riacho. Sabe que o
melhor é partir, pois não há mais nada. Só as lembranças que carrega com sua
própria dor de mulher que perdeu e diluiu, nos cantos do mundo, a sua história.
Gigi, 27/05/2012
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