a mulher era tão experiente que adivinhava os dentes de leite loucos para voarem para o telhado após um pedido místico-infantil. seus dedos áspero sabiam o momento certo, pois a vida é a professora de todos que sabem aprendê-la. isso foi com seus quatorze filhos.
a menina tinha pavor dessas mãos que eram acostumadas com a lida dura do dia. daqueles que fazem da terra o sonho e esperança de sobrevivência. mãos calejadas, que pareciam à menina não ter dó nem piedade nenhuma.
dolorosamente a menina lembra. lembra do frango que era capado para engorda... como podia ter tanta coragem? nunca a menina compreendeu bem tal oficio. das bicheiras dos animais com creolina, os tapurus desesperados caíam com ajuda de uma lapa de pau até o pobre animal se contorcer de dor. das galinhas gogas que a mulher sabia como ninguém curá-las. untava a própria pena da miserável, algo líquido, estranhamente preparado, bico adentro. sangrava frango para servir à cabidela, aos visitantes. eram rituais estarrecedores para os olhos sonhadores da menina, pois ninguém e nada saíam do controle daquelas mãos que aprenderam desde cedo os ofícios de uma mulher predestinada para o casamento, os filhos e a casa. não podia jamais fraquejar. a ela cabia a ordem dos sonhos. provavelmente tenha sofrido como qualquer moça do seu tempo, jogada na sorte de um casamento infeliz. impiedoso destino para chegar a tal frieza, pois a vida era madrasta com as mulheres nesse período da história.
como sempre a menina evitava, se escondia desses dedos. chegava a mentir, mas não dizia para a mulher de seus dentes moles que queriam dar passagem para os definitivos. a mentira não colava pois o que a mulher mais sabia fazer era criar filhos. não importava os erros, os acertos, sem freudianismo, sem piaget. ela sabia intuitivamente a hora.
o dia chegava. ela gritava: "assis pegue a menina! segure-a que eu amarro a linha..." era um deus nos acuda... se alguém passasse em tal momento pensaria coisas... quem sabe até matando uma pobre criança, tamanho era o escândalo que só a menina sabia fazer. gritava que ia morrer, mordia os dedos da mãe, lutava com as perninhas e os braços, que eram tão magrinhos, com o pai. odiava-os naquele momento, desejava as suas mortes. mas tudo em vão, quando o ritual terminava o homem e a mulher ofegantes e suados, a menina banhada em lágrimas, haviam cumprido o dever. para a menina apenas restava o desejo místico para jogar o dentinho ao telhado e fazer o pedido sagrado pelas gerações e gerações.
o pedido era feito, o ódio era guardado. tudo voltava ao normal, menos a menina que por um bom tempo sorriria pondo as mãozinhas na boca com vergonha da janelinha atrevida que se abria para o mundo, pois significava mudanças... a escola lhe esperava.
gigi pedroza
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