sábado, 1 de novembro de 2008

pude sentir com as pontas dos dedos a alma daquela mulher, num exercício contínuo talvez, pois ela se despia com aquele olhar de dor magoada. senti-a por muitos anos, aconselhei-a quase por toda eternidade, no silêncio madrugador das segundas-feiras. este era o dia da colheita das lágrimas contidas por horas e dias de exercícios que só a vida a soube ensinar. eram dias sem fim. calava-me, muitas vezes, para apenas ouvir os soluços contidos daquele coração atordoado de mentiras contadas para garantir a existência sufocante.
ela sempre contava-me histórias de sua infância. eu pensava em cada detalhe de seus sonhos arranjados de menina-pastora de cabras, de menina que na solidão das paragens campestres, olhava para o céu azul, quase imaginável, e dizia para si mesma: "um dia cantarei os mares dos meus desejos..." mas tudo ficou tão distante do esperado, do sonhado. a menina casou-se e foi profundamente infeliz por tempo sem fim, o que a alegrava, nos intervalos da dor, eram os gritos de felicidade dos inocentes que corriam, no terreiro, atrás dos pintinhos novos, da cachorra Joli, do gato. corriam felizes até da brisa sem saber da dor materna.
mas um dia a janela emprestou a fresta que ficava entre os ferrolhos e a convidou para dançar... dançou com os pensamentos, com as nuvens, com a carícia lenta do vento que tocava-lhe o rosto eternecido e doce, pois tudo era construído em seu imaginário. a mulher, a menina, a confusa imagem das duas era contida pela arguta sombra da memória.
foi sempre assim, ouvia-a, com sensibilidade repentina, os murmúrios seus. não havia medo do desgaste, pois todo amanhecer era possibilitado de esperança, e ouvi-la fazia bem a esta mulher que vos conta o leve momento de uma saudade.

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